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Wednesday, November 16, 2005

 

Post mortem

O prometido é devido. E, uns postes/dias atrás, prometi uma análise dos acontecimentos de Paris quando, após a agitação acalmar, esta pudesse trancender o imediatismo da fogueira ardente dos media, e a constatação do óbvio. E, embora a agitação ainda não tenha acalmaldo completamente, o que foi confirmado pela extensão das medidas excepcionais em França, já parece suficientemente controlada para que se possa vislumbrar a sua conclusão.

E apesar disso, vou começar pelo óbvio – talvez porque seja tão evidente que é esquecido – e perguntar porque é que eventos como os que assistimos acontecem? E a resposta, claro, não poderia deixar de ser que acontecem porque são possíveis. O que é possível acontece, o que que não é possível, não.

E, como sempre acontece, uma teia de factos e ideias fez do impensável possível. Alguns comentadores relacionaram –cunhando até a expressão intifada de Paris - os eventos em França com os da Palestina. Existe alguma verdade nisso, mas não nos motivos, antes nas explicações: o apologismo dos media perante o mix de subversão e conformismo – e aqui não está em causa o declarado objectivo final – da luta palestiniana deu um aval tácito a acções do mesmo tipo nos guettos suburbanos das sociedades europeias, e por isso tivemos a oportunidade de, deleitados, assistir a inúmeras explicações centradas na guetização proporcionadas por ‘cientistas’ sociais, que, igualmente deleitados, nos repetiam as nossas culpas históricas, enquanto insistiam em mais do mesmo.

O que falha na explicação, claro, é que todos os conceitos ligados às palavras bonitas que os ‘cientistas’ sociais tanto gostam de utilizar, como dignidade, orgulho, integração e por aí fora são completamete incompatíveis com guetto, por muito estudado, elaborado, e porque não, até luxuoso que este seja. Não que isto signifique não exista saída do guetto. Na verdade, basta querer. Mas a verdade é que melhorar as ‘condições’ do guetto não ajuda em nada aos que sofrem a sua realidade quererem sair dele. Antes pelo contrário. Tal como uma pena de prisão é suposto ser desagradável para ser dissuassiva, assim uma ‘pena’ de guetto deverá ser igualmente desagradável - de preferência perto dos limites do intolerável. Caso contrário não passará de uma condição, sem possibilidade de remissão nem esperança de mudança.

São possíveis sociedades assim, como a história está farta de demonstrar, mas não sociedades compatíveis com as liberdades que nos habituámos a tomar por garantidas. E não são as sociedades que se limitam a despejar – como a França se prepara para fazer – dinheiro sobre os problemas que resolvem estes problemas sociais, que de facto os resolvem. Os problemas sociais devem ser desagradáveis para os que os sofrem: por muito que seja o incorrecto político desta posição. Caso contrário, quem os sofre não vê qualquer motivo para assumir atitudes que os resolvam ou atenuem, e continuará a sua vivência de guetto com explosões ocasionais e inconsequêntes de revolta.

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